"O que é que se encontra no início? O jardim ou o jardineiro? É o jardineiro. Havendo um jardineiro, mais cedo ou mais tarde um jardim aparecerá. Mas, havendo um jardim sem jardineiro, mais cedo ou mais tarde ele desaparecerá. O que é um jardineiro? Uma pessoa cujo pensamento está cheio de jardins. O que faz um jardim são os pensamentos do jardineiro. O que faz um povo são os pensamentos daqueles que o compõem." (Rubem Alves)

sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

A TRAGÉDIA NOSSA DE CADA DIA


A violência é um componente da vida social brasileira. Sabemos disso há bastante tempo. Porém, cada pesquisa é um escândalo. Acaba de sair do forno o Mapa da Violência 2011. Vejam esse número assustador: em 2008, 50.113 brasileiros foram assassinados. “Isso representa 137 vítimas diárias, número maior que um massacre de Carandiru a cada dia do ano. Na década analisada (1998-2008), morreram, no Brasil, exatamente 521.822 mil pessoas vítimas de homicídio, quantitativo que excede, largamente, o número de mortes da maioria dos conflitos armados registrados no mundo”. O que já é muito ruim fica bem pior quando somamos a quantidade de homicídios com o total de mortos no trânsito (que também é violência). Em 2008, 39.211 cidadãos morreram vítimas da barbárie no trânsito. Na década (2008-2009), o total de mortos nas ruas e estradas brasileiras foi de 375.804. Assim, chegamos ao número de 897.626 mortos em uma década. Ou seja, uma média de 246 mortos diariamente por homicídio ou por acidentes de trânsito. Será que alguma guerra civil na história alcançou um número tão absurdo como esse? Improvável.

CRESCEMOS, PORÉM MATAMOS MAIS

E o Ceará? Ao longo dos últimos dez anos, os índices de violência no Estado só pioraram - atentem que, nesse mesmo período, as circunstâncias econômicas do Estado só melhoraram. O fato é que nada mais, nada menos que 2.031 pessoas foram assassinadas no Ceará em 2008 (é muito provável que os totais de 2009 e 2010 sejam ainda maiores). Na década estudada, o total de pessoas assassinadas no Ceará chegou a 16.607. Vejam como o Ceará vem ficando mais e mais violento: em 1998, o número de homicídios durante o ano foi de 941. Em 2008, passou para 2.031 assassinatos. Uma variação de 115,8%. A taxa de homicídios era de 13,7 em 1998 e passou para 24,0 em 2008. Notem que a ONU considera “aceitável” uma taxa de 10 para 100 mil habitantes. Regredimos muito. Ao contrário de quase todo o resto do País, São Paulo diminuiu significativamente os seus índices. Saiu de um índice de 39,7 em 1998 para os 14,9 de 2008. Uma queda de 62,4% na taxa de homicídios. Certamente, é sinal de políticas públicas corretas no combate à violência. Então, devemos olhar para lá.

DEZ MORTOS POR DIA

Vejam: se 2.031 pessoas foram assassinadas em 2008 no Ceará, chega-se ao absurdo número de mais de cinco assassinatos por dia. Um escândalo. Nos dez anos, a média é superior a quatro homicídios diários. Agora, vamos ao trânsito. Em nosso Estado, morreram 16.614 pessoas entre 1998 e 2008. Bingo!!! É um número de vítimas praticamente igual ao número de homicídios no mesmo período. Ou seja, mais de quatro mortos por dia. Juntando-se os dois números, chegamos a impressionante marca de 33.221 mortos no trânsito e por homicídio no período estudado. Ou seja, temos nove defuntos por dia fruto da violência. Levando-se em conta só o ano de 2008, o resultado é ainda mais alarmante. Vejam a soma: 2.031 assassinados mais 1.756 vítimas de atropelamentos/ acidentes de trânsito é igual a 3.787 mortos. Portanto, chega-se a uma média de 10 mortos a cada santo dia. Uma aposta: a maioria dos mortos do trânsito estava montada em motocicletas.

DERROTADOS E FRACASSADOS

Os números traduzem, sem dúvida, uma tragédia. Os prejuízos materiais, pessoais, familiares, sociais e financeiros desse absurdo parecem não causar indignação. A vida se tornou algo banal. Por uns trocados, contrata-se um assassino. Nos volantes, os facínoras e irresponsáveis pagam com suas vidas e a dos outros. Viver em meio a isso tudo virou um drama. As pessoas se escondem. Sair de casa virou um desafio. Cidadãos assustados, atormentados. A qualidade de vida desmoronou. Quem sai do País em visita a outras terras onde a violência é algo residual volta com a sensação de fracasso e derrota.

Fonte: JORNAL O POVO, coluna "POLÍTICA", do jornalista Fábio Campos, edição de 25.02.2011, acesso em 25.02.2011, disponível em: http://www.opovo.com.br/app/colunas/politica/2011/02/25/noticiapolitica,2107043/a-tragedia-nossa-de-cada-dia.shtml