"O que é que se encontra no início? O jardim ou o jardineiro? É o jardineiro. Havendo um jardineiro, mais cedo ou mais tarde um jardim aparecerá. Mas, havendo um jardim sem jardineiro, mais cedo ou mais tarde ele desaparecerá. O que é um jardineiro? Uma pessoa cujo pensamento está cheio de jardins. O que faz um jardim são os pensamentos do jardineiro. O que faz um povo são os pensamentos daqueles que o compõem." (Rubem Alves)

quinta-feira, 27 de outubro de 2011

LEI SECA: CONFRONTO DE IDEIAS

A combinação álcool e direção tem provocado muitos acidentes com mortes. Os crimes de trânsito devem passar a ser dolosos?

A partir desse questionamento o JORNAL O POVO publica hoje, 27/10/2011, as opiniões de dois Operadores do Direito: Mauricio Januzzi - presidente da Comissão de Trânsito da Ordem dos Advogados do Brasil/SP - e Leandro Vasques - advogado criminalista. Leiam e tirem suas as próprias conclusões acerca da polêmica Lei Seca. Ao final, opinem, como forma de ampliar a discussão.

Segue:

Respondendo SIM

A discussão em crimes de trânsito entre dolo eventual e culpa consciente são doutrinárias e jurisprudenciais, e não servem para resolver o problema dos crimes de trânsito na forma que a sociedade exige. O dolo eventual ocorre quando o indiciado assume conscientemente o risco de produzir o resultado e, segundo especialistas, assim o faz quando ingere bebida alcoólica e se posta na direção de um veículo automotor. Porém, a culpa consciente também se faz presente quando o indiciado assume o volante após ter ingerido bebida alcoólica mas o faz de uma forma a não obrar com o dever de cuidado objetivo, qual seja, por imprudência, em seu grau máximo.

Assim, verifica-se a dificuldade quase que intangível de se separar as duas coisas, mesmo porque a falta do dever de cuidado objetivo e assumir o risco de produzir o resultado são elementos volitivos presentes no mais das vezes apenas no inconsciente do indivíduo e não em suas ações externas que são as únicas aptas a identificar, quando ocorre dolo ou culpa. O que se quer estabelecer é uma ideia contraditória de que no dolo o agente assume o risco de produzir o resultado e anui, ou seja, é indiferente ao resultado e espera que o mesmo venha a ocorrer. Já no culpa consciente, ele até prevê o resultado, porém acredita que o mesmo não vai ocorrer.

Nesse sentido, nos parece fácil a diferença, porém, na prática, fica inviável a sua diferenciação só através dos elementos de provas colhidos na investigação e no processo. Por isso estamos propondo, através de projeto de lei de iniciativa popular, que o crime de trânsito, em especial o homicídio, seja punido com cinco a oito anos de reclusão e a suspensão do direito de dirigir o veículo, pena maior do que a prevista hoje. A discussão sobre dolo ou culpa só eternizará a discussão e em alguns casos abrirá as portas para a prescrição do crime, na medida em que a sua discussão levaria alguns anos até ser decidida definitivamente pelo Supremo Tribunal Federal.

Mauricio Januzzi - Presidente da Comissão de Trânsito da Ordem dos Advogados do Brasil/SP

Respondendo NÃO

Os crimes de trânsito, quando cometidos dolosamente, assim devem ser punidos; da mesma forma, quando culposamente; e, caso não haja nem dolo nem culpa, sequer devem ser punidos.

Tomemos como exemplo o condutor que, conduzindo seu veículo por artéria não-preferencial, vem a avançar cruzamento com a artéria principal, chocando-se com uma moto que nesta trafegava, vindo pela esquerda do motorista. Durante o processo, a perícia constatou que a sinalização horizontal de “pare” estava apagada, enquanto a vertical era inexistente. Neste caso, o motorista do veículo pautou-se pela regra da direita: a preferência em cruzamentos não sinalizados é sempre de quem trafega pelo lado direito. Não se pode dizer que o sujeito que avançou a preferencial tivesse agido com dolo (vontade livre e consciente de cometer delito); tampouco agiu com culpa, em qualquer de suas modalidades (imprudência, imperícia ou negligência). Portanto, no caso, deveria ser absolvido.

Por outro lado, caso realmente houvesse a sinalização de parada obrigatória, indicando ser a artéria confluente em que vinha a motocicleta a preferencial, o condutor do veículo deveria ser punido a título culposo, pois agiu com imprudência. Não poderia ser punido dolosamente, tanto porque não quis, consciente e voluntariamente, produzir aquele resultado (dolo direto), como também não o projetou como possível, assumindo o risco de produzi-lo (dolo eventual).

Por fim, projetemos uma situação em que o sujeito, conduzindo sob forte influência de álcool, participa de “raxa” e vem a atropelar um transeunte. Aqui, sim, deve incidir a punição a título de dolo, na modalidade do dolo eventual. O Direito não comporta raciocínio matemático. O agir do indivíduo deve ser analisado em cada caso concreto, sob pena de verdadeira aplicação automatizada da lei, afinal, esta foi feita para os homens, e não estes para aquela.

Leandro Vasques - advogado criminalista

Créditos das opiniões para o JORNAL O POVO. Fotografia Dennis Barbosa, do Portal G1, São Paulo.