"O que é que se encontra no início? O jardim ou o jardineiro? É o jardineiro. Havendo um jardineiro, mais cedo ou mais tarde um jardim aparecerá. Mas, havendo um jardim sem jardineiro, mais cedo ou mais tarde ele desaparecerá. O que é um jardineiro? Uma pessoa cujo pensamento está cheio de jardins. O que faz um jardim são os pensamentos do jardineiro. O que faz um povo são os pensamentos daqueles que o compõem." (Rubem Alves)

quarta-feira, 22 de agosto de 2012

APÓS PERDER PERNA EM ACIDENTE, CRISTIANO TEIXEIRA REALIZA SONHO DE CORRER NO RALI DOS SERTÕES

Aos 40 anos, o piloto de Andradas contou ao Grande Prêmio sua trajetória até chegar à disputa do Rali dos Sertões, provando que nem mesmo a limitação física é capaz de impedir a realização de sonhos, seja no esporte ou na vida como um todo

O esporte é pródigo em exemplos de superação. As histórias de atletas que ficaram perto do fim de suas carreiras e de suas vidas, mas que conseguiram reagir e voltar ao topo, são incríveis. É impossível não se lembrar de Alex Zanardi, que perdeu duas pernas em uma corrida da Indy, mas venceu a morte, voltou a competir e está perto de disputar seus primeiros Jogos Paralímpicos, em Londres, nos próximos dias. E dias atrás, Oscar Pistorius, velocista sul-africano bi-amputado — após apenas 11 meses de vida —, participou dos Jogos Olímpicos lado a lado com outros atletas sem limitações físicas como as suas.

O Rali dos Sertões, capaz de reservar histórias e trajetórias marcantes, traz também um piloto que viveu drama semelhante ao de Zanardi e Pistorius. Cristiano de Paula Teixeira, de 40 anos e natural da cidade de Andradas, sul de Minas Gerais, participava de competições de bicicross quando criança, e naturalmente desenvolveu sua grande paixão pelas motocicletas. Com elas, Teixeira fazia suas trilhas aqui e ali. O voo livre também estava na lista dos esportes preferidos do mineiro, que tinha vida bastante ativa.

Até que veio 2005, ano em que sofreu um acidente que representou, de certa forma — e da maneira mais dura possível —, um divisor de águas na vida e na carreira de Cristiano Teixeira. Depois de perder parte da perna esquerda após trágico acidente de trabalho em seu sítio em Andradas, sua jornada como piloto de moto estava em xeque. Mas o esporte entrou em jogo, sendo fundamental para sua reação enquanto esportista e também como homem.

“Estava trabalhando com um trator no meu sítio em Andradas. E nesse trator havia um implemento, que fica girando, que é uma peça de ferro postada atrás dele. E eu sempre pulava esse ferro ao invés de dar a volta nele. Até que um dia, ao pular, a calça enroscou no parafuso desse ferro e, na hora, arrancou a perna esquerda”, descreveu Teixeira à reportagem do Grande Prêmio durante entrevista concedida em Barreirinhas, cidade que recebeu a caravana do Rali dos Sertões no último domingo.

Não é de se duvidar que muitas pessoas entrariam em parafuso ao viver problema semelhante ao de Cristiano. Afinal, ninguém está preparado para perder, de uma hora para outra, uma parte do corpo fundamental para sua locomoção no dia a dia. Mas o mineiro, valente, não esmoreceu perante sua limitação física.

Em nome da superação e do sonho de estar correndo ao lado de alguns dos melhores pilotos do mundo, Teixeira se dedicou com afinco e fez da dificuldade a sua força. Hoje ele corre ao lado da nata do motociclismo cross-country do Brasil, como Felipe Zanol, Jean Azevedo, Ike Klaumann e Dimas Mattos, todos com participação no Dakar.

“Sempre tive o sonho de participar do Rali dos Sertões. E depois do acidente essa vontade ficou ainda mais forte. Mas é duro, viu? Não é fácil não (risos)”, comentou Cristiano logo após o briefing dos pilotos de moto realizado na noite do último domingo (20) na cidade maranhense de Barreirinhas.

Mas para realizar seu grande sonho, Teixeira teve de suar muito antes de chegar ao seu objetivo. Não bastava ser apenas mais um. Era preciso lutar para fazer, com uma perna só, o que seus oponentes fazem normalmente com duas. Por isso, o mineiro se dedicou com afinco antes de estar diante do desafio de quase 5 mil km que tem pela frente entre São Luís e Fortaleza.

“Depois do acidente, há três anos, comecei a focar mais uma participação no Sertões, e aí comecei a participar de algumas etapas do Brasileiro de Baja, que é um pouco parecido com o Rali dos Sertões. E depois disso comecei a treinar, fazer regularidade, comecei a pegar o esquema da planilha; foquei na preparação física, e estamos aí”, comentou Cristiano, com um sorriso que indicava a satisfação simplesmente por estar ali em um briefing do Sertões.

Teixeira contou também que sua grande dificuldade foi adaptar a prótese, colocada cinco meses após o acidente em Andradas, à moto, além de mudar um pouco o seu estilo de pilotagem. “Depois que eu coloquei a prótese, a luta foi só para acostumar com essa nova situação. Porque foi tudo diferente, mudou tudo, querendo ou não, você fica um pouco limitado, a princípio. Então eu tinha de desenvolver uma nova técnica para andar tão rápido quanto eu era antes.”

“Demorou um tempinho, mas agora já adaptei a prótese à moto, o encaixe da prótese à moto, já me adaptei ao câmbio também, que é mais apropriado à minha limitação. Felizmente desenvolvi outra técnica e estamos aí competindo com o pessoal", acrescentou Teixeira, que superou o maior desafio da sua vida, mas sempre com planejamento adequado para competir com os melhores.

“Eu me dediquei a esse projeto, me preparei fisicamente e tecnicamente, e agora estamos aqui. A gente sempre tem de aproveitar as oportunidades quando elas aparecem, porque, se deixarmos passar, vai que uma hora não se pode aproveitar?”, indagou Cristiano à reportagem do Grande Prêmio em Barreirinhas.

O piloto disse que muita coisa mudou em sua vida, e para muito melhor. “Era muito focado no trabalho, mas depois disso procurei aproveitar um pouco mais o tempo e me divertir um pouco mais. Busquei aproveitar meu tempo e procurei realizar sonhos que guardava lá no fundo da gaveta por muito tempo. Coloquei tudo isso em prática e, entre esses sonhos, estava disputar o Rali dos Sertões”, acrescentou o andradense.

Por fim, Cristiano Teixeira creditou ao esporte a sua recuperação e o fato de estar disputando um dos maiores ralis do mundo.

“O esporte serviu muito para a minha recuperação. E eu já sabia que se treinasse, junto com meus afazeres diários, se dedicasse a minha vida à recuperação, sabia que poderia fazer tudo o que eu quisesse. E foi isso o que aconteceu”, salientou o mineiro, exaltando o espírito de superação ao correr de moto de maneira competitiva. “O esporte dá isso para a gente. Se você treinar, for disciplinado, investir no equipamento certo, você acaba tendo resultado. E na vida é a mesma coisa. É a força de vontade do ser humano”, destacou Teixeira, que fez questão de deixar uma última mensagem.

“Se você tem um problema físico, alguma doença, alguma limitação, você tem de lutar para superar isso. Quem decide como quer viver essa situação daqui para a frente é a gente, não é pai, mãe ou irmão. As pessoas têm de criar forças e tocar a vida para a frente. Foi isso que eu escolhi e até agora isso está dando certo”, finalizou Cristiano. Palavras de um piloto que já conquistou a maior vitória da sua carreira: a realização do sonho de estar no Rali dos Sertões.

Créditos para: MSN Esportes
Warm Up, FERNANDO SILVA, de Barreirinhas, MA