"O que é que se encontra no início? O jardim ou o jardineiro? É o jardineiro. Havendo um jardineiro, mais cedo ou mais tarde um jardim aparecerá. Mas, havendo um jardim sem jardineiro, mais cedo ou mais tarde ele desaparecerá. O que é um jardineiro? Uma pessoa cujo pensamento está cheio de jardins. O que faz um jardim são os pensamentos do jardineiro. O que faz um povo são os pensamentos daqueles que o compõem." (Rubem Alves)

sábado, 7 de setembro de 2013

A SOLUÇÃO PARA MOBILIDADE URBANA? ÔNIBUS, DIZ PEÑALOSA

Ex-prefeito de Bogotá, na Colômbia, ficou famoso ao estimular o uso de bicicletas, mas comprou briga quando restringiu o uso de carros. 

Tomo a iniciativa de compartilhar com os leitores do blog, excelente entrevista cedida por HENRIQUE PEÑALOSA  ao portal Exame.com. Vale a pena ler toda a entrevista e refletir com esse renomado consultor em urbanismo e transporte.

São Paulo – As cidades precisam dificultar o uso dos carros e cortar estacionamentos em ruas. Mais: não é papel do governo encontrar solução para os problemas das pessoas que usam carros. Esta é a opinião de Enrique Peñalosa, colombiano especialista em mobilidade urbana e ex-prefeito de Bogotá, capital da Colômbia.
“Um ônibus com cem passageiros tem direito a cem vezes mais espaço de vias do que um carro com um”, diz Peñalosa em entrevista por telefone a EXAME.com.
Em Bogotá, entre 1998 e 2001, ele foi responsável por medidas que seguem esta visão: construiu mais de 300 km de ciclovias, restringiu tráfego de carros em horários específicos, proibiu o estacionamento em calçadas e o restringiu no centro da cidade, além de construir vias exclusivas para trajetos de ônibus. Para os pedestres, as calçadas foram alargadas e mais de mil parques foram construídos ou totalmente reformados.
No último ano do mandato de Peñalosa, a cidade de mais de 7,1 milhões de habitantes recebeu o prêmio Stockholm Challenge pelo seu sistema de transporte de massa baseado em ônibus, o TransMilenio, que foi inspirado nos BRT de Curitiba, no Brasil.
Antes do sistema, em 1998, uma viagem de 30km no transporte público levaria 2 horas e 15 minutos. Dez anos depois, o mesmo trajeto é feito em 55 minutos, segundo Angelica Castro, ex-gerente do TransMilenio, em entrevista em 2008 para Streetfilms. O sistema é intermodal, com ciclovias que levam até as estações e estacionamentos gratuitos para bicicletas. Alguns pequenos ônibus trafegam pelas ruas menores levando pessoas para as estações do TransMilenio, de graça.
Cerca de 1,4 milhão de pessoas usam o transporte por ônibus rápidos criado e implementado na administração de Peñalosa todos os dias em Bogotá. A principal diferença do sistema está, além do uso de faixas exclusivas para eles, nas estações. Elas se parecem com estações de metrô, onde o pagamento é feito previamente e as plataformas são niveladas com o chão do ônibus.
Bogotá ainda tem problemas com trânsito e congestionamento, mas se orgulha, além do TransMilenio, de ser uma cidade que promove o ciclismo. “Hoje, ainda que seja muito pouco, para cada três pessoas que andam de carro, uma anda de bicicleta”, diz o ex-prefeito. Por lá, porém, ele admite que ainda faltam muitas coisas a serem feitas.
Hoje consultor em urbanismo e transporte, Peñalosa viaja da Ásia à América Latina: “Faço assessoria em estratégias para fazer cidades mais sustentáveis”, explica. Em outubro, o ex-prefeito desembarca no Brasil.
EXAME.com – Quando o senhor foi prefeito de Bogotá, mudou radicalmente as políticas públicas da cidade. Qual foi o raciocínio para esta mudança de perspectiva?
Enrique Peñalosa – Nós tínhamos alguns princípios claros. O primeiro era que a questão da mobilidade não se pode resolver com base no automóvel particular. É bom dizer que um ônibus no meio do tráfego é tão antidemocrático quanto não permitir que as mulheres votem. Em todas as constituições está escrito que os cidadãos são iguais perante a lei. Então, se todos os cidadãos são iguais, um ônibus com cem passageiros tem direito a cem vezes mais espaço nas vias do que um carro com um.
EXAME.com – Este é um conceito difícil de se vender para uma cidade que se baseia no transporte em carros. Como você convenceu a população de que isso era o melhor?
Peñalosa –
 Bom, por isso te digo: com esses argumentos. É preciso, claro, que as faixas realmente funcionem. Precisa de coisas como estações para pagamento para que, quando chegue um ônibus, em segundos se possam descer cinquenta pessoas e subir outras cinquenta pessoas.
EXAME.com – E isso acabaria com os engarrafamentos?
Peñalosa – 
Não, ter mais vias não acaba com o trânsito porque o que gera o engarrafamento não é o número de carros, por mais estranho que isso pareça. O que causa trânsito é, primeiramente, o número de viagens que as pessoas fazem e quão longe elas vão.
Para efeitos de tráfego, é o mesmo ter dez carros que percorrem um quilômetro cada do que ter um carro que percorre dez quilômetros. A questão da mobilidade se soluciona com os transportes públicos, mas não a do trânsito. Você pode ter uma linha de metrô embaixo de cada rua em São Paulo e e ainda assim não vai melhorar o trânsito. 

EXAME.com – Então, como se reduz o número de viagens para melhorar o trânsito?
Peñalosa –
 Somente restringindo o uso de carros. Aí há várias maneiras: pode haver pedágio urbano, cobranças em certas vias, pode ter uma gasolina mais cara, pode ter um rodízio como vocês têm. Mas a melhor maneira de reduzir o uso do carro é restringir o estacionamento.

EXAME.com – Acabar com estacionamentos nas ruas?
Peñalosa – Sim. Há muitos carros onde deveriam haver calçadas. Esta é a primeira coisa que destrói a qualidade humana da cidade. E aqui tem um ponto que é importante ter claro: o governo não tem nenhuma obrigação de resolver os problemas de estacionamento. 
EXAME.com – No Brasil e em outros países, investe-se muito em metrôs e trens para a questão da mobilidade urbana, mas eu ouço o senhor falar muito mais em ônibus. Metrô não é solução?
Peñalosa – 
Os políticos adoram investir em trens e metrôs porque politicamente isso é fácil, muito fácil. Gasta muito dinheiro, mas não tem discussão com ninguém. Os cidadãos que têm carros querem que façam mais linhas não porque vão usá-las, mas porque acreditam que outros vão e isso vai diminuir o trânsito. Não há conflito com o espaço dos carros.
Mas os trens e metrôs são excessivamente caros. Você pode fazer, com o mesmo custo que faz um quilômetro de metrô, trinta de faixas exclusivas para BRT. A solução não é um problema técnico, nem econômico, é um desafio político.
E há mais vantagens. Veja bem, é muito mais agradável ir na superfície, com a luz natural, do que ir enterrado embaixo da terra, como um rato. Não me parece democrático enterrar os usuários de transporte público. É loucura. Que se enterrem as pistas de carros, é muito fácil fazer pistas subterrâneas para carros, mas os cidadãos que usam o transporte público são heróis.
Quando bem instalados, os BRTs são mais rápidos, podem mudar de linhas sem isso de baldeação, têm estações mais próximas. Agora, é preciso mais de uma faixa em cada estação para a existência de ônibus expressos.
Obviamente, é possível que também sejam necessárias linhas de metrô, mas antes de tudo temos de aproveitar democraticamente os espaço de vias que já temos.
EXAME.com – Ainda assim, medidas como essas são garantia de uma briga com parcela grande da população.
Peñalosa – 
Então, eu vi que quando houve os protestos no Brasil, a presidente saiu correndo dizendo que iam investir em mais linhas de trem. Mas esta é a reação emocional, não a mais técnica. É mais difícil politicamente, claro, tirar espaço dos carros para dar mais espaço a ônibus, bicicletas e pedestres. É mais difícil, mas é a única solução. 
O sistema com base em ônibus não é apenas o melhor, mas é o único possível. Não existem soluções mágicas. Quando você pensa em cidades com poucos carros e com muitas restrições aos carros parece um sonho louco. Mas essas cidades não só são possíveis, como existem e têm êxito. Como por exemplo Manhattan, em Nova York, Londres ou Paris. 

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