"O que é que se encontra no início? O jardim ou o jardineiro? É o jardineiro. Havendo um jardineiro, mais cedo ou mais tarde um jardim aparecerá. Mas, havendo um jardim sem jardineiro, mais cedo ou mais tarde ele desaparecerá. O que é um jardineiro? Uma pessoa cujo pensamento está cheio de jardins. O que faz um jardim são os pensamentos do jardineiro. O que faz um povo são os pensamentos daqueles que o compõem." (Rubem Alves)

quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

CICLOMOTORES E A AVOCAÇÃO DE RESPONSABILIDADES PELO ESTADO: OS FINS JUSTIFICAM OS MEIOS?

Ciclomotores de 50 cilindradas. Foto divulgação: Dafra/Shineray

“CINQUENTINHAS” NA MIRA DE PROMOTORES E POLÍCIA RODOVIÁRIA FEDERAL NO RN: durante reunião realizada hoje ficou decidido que responsabilidade sobre a regulamentação das cinquentinhas passará a ser do Detran
Mediante a chamada acima transcrita, o periódico intitulado Jornal de Hoje, editado no Rio Grande do Norte, noticiou, dia 07/02/2014, que naquele Estado restou aprovado um Projeto de Lei ESTADUAL, obviamente, atribuindo ao próprio ente federado – Estado do Rio Grande do Norte – a competência para regulamentar (e, nessa linha, registrar e licenciar) os ciclomotores.

Trocando em miúdos, o referido Estado estaria chamando para si a competência que, consoante o Código de Trânsito Brasileiro (CTB, art. 24, inciso XVII) cabe ao município.

Vamos às considerações:

1. A questão das cinquentinhas (como são popularmente conhecidos os ciclomotores[i]) é, sim, deveras preocupante. A esse respeito já escrevi algumas vezes[ii] e defendo, inclusive, que aqueles que comercializam ou divulgam ofertas para vender tais veículos distorcendo a Legislação de Trânsito e, ainda por cima, induzindo os compradores a erro, cometem crime contra as relações de consumo;

2. Como dito no introito, a responsabilidade em tela está afeta aos municípios. Como ela não tem sido devidamente assumida, gradativamente, foi se formando o entendimento de que alguns discursos de vendedores irresponsáveis seriam coerentes: “para pilotar a cinquentinha não é necessária a habilitação[iii]”; “não precisa emplacar” etc. Nesse sentido, a preocupação se justifica e a intenção não é boa. É ótima!

3. Não obstante, deixando de lado o campo das intenções (de subjetividade ilimitada), há que se atentar ao fato de que a Constituição Federal é explícita quando afirma ser competência privativa da União legislar sobre TRÂNSITO e transporte (art. 22, inciso XI). Em outras palavras, a iniciativa padece de INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL por usurpar a competência legislativa federal[iv];

4. Nesse contexto, cabe destacar que tramita na Câmara dos Deputados (a passos lentos, é bem verdade!) o Projeto de Lei nº 2.872/2008 que, após vários substitutivos a ele incorporados, prevê diversas alterações no CTB, dentre elas, a modificação do art. 24, XVII e do art. 129, excluindo da competência municipal o registro e o licenciamento dos ciclomotores, que passariam aos Estados e ao Distrito Federal, cujos órgãos ou entidades executivos de trânsito estão aparelhados para cumprir essas funções, de acordo com o art. 120 do CTB. Na prática, fazendo o que pretende fazer, sem que para tanto possua competência, o Estado do Rio Grande do Norte.

Fico aberto às críticas e às considerações dos seguidores e visitantes do blog.



[i] Veículos de duas ou três rodas, providos de um motor de combustão interna, cuja cilindrada não exceda a cinquenta centímetros cúbicos (3,05 polegadas cúbicas) e cuja velocidade máxima de fabricação não exceda a cinquenta quilômetros por hora.
[ii] Ver, a propósito, artigo no Jornal O POVO, datado de 18/01/2013.
[iii] Sabe-se, contudo, que o CTB estabelece a obrigatoriedade da Autorização para Conduzir Ciclomotor (ACC) ou da Carteira Nacional de Habilitação (CNH) na categoria A. A expedição de um ou de outro documento (com status de licença, cabe ao Estado);
[iv] O raciocínio é relativamente simples: "toda a lei ordinária que, no todo ou em parte, contrarie ou transgrida um preceito da Constituição, diz-se INCONSTITUCIONAL" (Darcy AZAMBUJA, Teoria Geral do Estado, p. 172).

2 comentários:

  1. Muito boa a abordagem meu caro amigo Luís Carlos Paulino. Através de convênios conforme descrito no artigo 25 do CTB seria mais rápido, mais tem as questões políticas que dificultam. Penso que uma vez aprovada a PL seria uma solução mais eficiente e duradoura e menos política. Parabéns pela abordagem.

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  2. Prezado amigo Manoel Junior,

    De fato, a hipótese do convênio poderia ser considerada. De se ponderar, entretanto, que o convênio somente pode ser celebrado entre os órgãos e entidades executivos do Sistema Nacional de Trânsito (vide art. 25 do CTB), o que implicaria no seguinte:
    seriam necessários inúmeros convênios, individualizados, entre o DETRAN e a representação (órgão ou entidade, reitera-se!) de cada município. Os municípios não integrados ao SNT ficariam impedidos de celebrar o referido convênio, pois não existe no CTB essa previsão. O convênio, nos termos do citado art. 25, NÃO é entre o estado e o município, como esse amigo pode observar.

    Desse modo, via convênio não contemplaria os municípios omissos no que se refere à assunção da gestão do trânsito. Tal situação poderia acarretar no seguinte: no município "X" exige-se tudo o que a lei prevê para a condução do ciclomotor. E não há que se argumentar que o próprio município é omisso e não licencia e não emplaca o ciclomotor do cidadão (haja vista que o DETRAN assumiria essas atribuições). No município "Y", por sua vez, não conveniado (pois sequer possui órgão ou entidade executivo de trânsito), nada é exigido...

    Vejo essas circunstâncias como mais um ponto a favor da alteração legislativa como solução. Alteração essa a ser promovida na seara apropriada, logicamente.

    No mais, obrigado por visitar o blog. Abraço.

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