"O que é que se encontra no início? O jardim ou o jardineiro? É o jardineiro. Havendo um jardineiro, mais cedo ou mais tarde um jardim aparecerá. Mas, havendo um jardim sem jardineiro, mais cedo ou mais tarde ele desaparecerá. O que é um jardineiro? Uma pessoa cujo pensamento está cheio de jardins. O que faz um jardim são os pensamentos do jardineiro. O que faz um povo são os pensamentos daqueles que o compõem." (Rubem Alves)

sexta-feira, 26 de setembro de 2014

AVANTE, AGENTES DE TRÂNSITO!


Quem é agente de trânsito, perito ou policial no Brasil, sabe bem: nos acidentes de trânsito, o mais comum é que cada uma das partes envolvidas atribua a responsabilidade pelo ocorrido à outra (ou às outras) pessoa(s). Na mesma linha defensiva, são as justificativas apresentadas por 99% dos condutores flagrados praticando uma ou outra conduta que o agente de trânsito, “injusta ou equivocadamente”, supõe que caracterize infração.

Tais comportamentos são, em alguma medida, abordados na obra Os Sete Saberes Essenciais à Educação do Futuro, quando Edgar Morin analisa que “cada mente é dotada de potencial de mentira para si próprio, que é fonte permanente de erros e ilusões”.

Nisso, talvez, resida um pouco a explicação para uma opinião recorrente entre os condutores: falta “bom senso” aos agentes, que “só querem ‘multar’, em vez de educar, de orientar”. Em outras palavras, “temos muitas autuações (e multas) porque os agentes são, no mínimo, incompreensivos”. 

Ora, mesmo considerando que são muitas as deficiências no que se refere à educação (que não deve necessariamente se confundir com déficit de conhecimento da legislação), a verdade é que parcela considerável dos infratores tem plena consciência das irregularidades que comete.

Alguns condutores possuem tanto conhecimento que, se fosse o caso, nos dariam uma boa aula sobre legislação de trânsito. Por oportuno, recorro novamente a Morin para ponderar que “o egocentrismo, a necessidade de autojustificativa e a tendência a projetar sobre o outro a causa do mal fazem com que cada um minta para si próprio [...]” e, nesse contexto, penso que o que falta mesmo é um exercício de autocrítica por parte dos infratores (muitos deles, obstinados em desobedecer ao Código de Trânsito e contumazes em desrespeitar direitos coletivos).   


Além do mais, conforme já tive oportunidade de abordar em outros escritos, compreendida a fiscalização de trânsito como o ato de controlar o cumprimento das regras previstas na legislação, é certo dizer que os agentes de fiscalização têm a competência legal – condicionada tão somente à situação de flagrância – de autuar esses incautos do trânsito.

A autuação é ato administrativo vinculado. Assim, o agente de fiscalização não pode substituir a autuação por uma advertência, um aviso ou coisa que o valha. A ele cabe fiscalizar a obediência ao conjunto de normas legais e regulamentares que regem o trânsito. Nesse mister, atua como verdadeiro catalisador das tensões do trânsito, inibindo e evitando os atritos entre os usuários e a prática de infrações, principalmente aquelas que ampliam os riscos de acidentes. E, bem por isso, não raro é injustamente incompreendido e, até mesmo, covardemente agredido.


O certo é que, em regra, cabe aos meus amigos e amigas agentes de trânsito representar aquele elemento que viabiliza a ligação, o contato mais direto, do cidadão/usuário com o Sistema Nacional de Trânsito. Nada mais justo, então, do que a segurança viária ter, finalmente, sido alçada à condição de norma constitucional (bendita seja a EC 82/2014...). Falta agora à categoria, ver devidamente reconhecida a importância de seu trabalho, de sua missão de salvar vidas no trânsito.

Até onde eu puder ajudar, estou sempre à disposição. Força e honra, meus amigos e minhas amigas agentes de trânsito!

Post dedicado a todos os agentes de trânsito deste Brasil, heróis e heroínas não reconhecidos que, diuturnamente, exercem ("por cima de pau e pedra"!), a nobilíssima missão de promover segurança no trânsito. Especialmente dedicado aos amigos Kelber (aniversariando por ocasião desta postagem), Mirislândia, Amaral, Lucyara Avelar, Edson, Fernando e Willame.

domingo, 14 de setembro de 2014

PERSONALIDADE CIVIL: MORTE DE FETO EM ACIDENTE DÁ DIREITO A SEGURO OBRIGATÓRIO, DIZ 4ª TURMA DO STJ

O nascituro tem personalidade civil e é titular de direitos. Sendo assim, em caso de morte do feto, a família tem direito de receber indenização do seguro obrigatório DPVAT (Seguro de Danos Pessoais Causados por Veículos Automotores de Vias Terrestres). O entendimento é da 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, que acompanhou voto do ministro Luis Felipe Salomão, relator de recurso contra decisão do Tribunal de Justiça de Santa Catarina.
A segurada, grávida, sofreu acidente de carro em 2009. O marido dela morreu e ela perdeu o bebê, além de ter sofrido várias lesões corporais. Pela morte do feto de quatro meses, ela ajuizou ação de cobrança contra a seguradora para receber indenização por morte.
Ao julgar o caso, a 2ª Vara Cível de Rio do Sul (SC) condenou a seguradora a pagar R$ 13,5 mil. Já o Tribunal de Justiça de Santa Catarina derrubou a decisão, sob argumento de que a personalidade jurídica do feto somente advém do nascimento com vida. “O nascituro detém mera expectativa de direitos em relação aos proveitos patrimoniais, cuja condição depende, diretamente, do seu nascimento com vida”, segundo o acórdão.
Para o ministro Salmão, porém, a segurada não busca direitos patrimoniais do feto, mas direito próprio da mãe ao recebimento da indenização do seguro obrigatório DPVAT. No caso de morte, segundo Salomão, “por razões óbvias”, a pessoa do beneficiário do seguro não coincide com a da vítima do sinistro.
“O artigo 4º da Lei 6.194/1974 (com a redação vigente à época) reconhece expressamente que a indenização no caso de morte será paga, na constância do casamento, ao cônjuge sobrevivente; na sua falta, aos herdeiros legais. Nos demais casos, o pagamento será feito diretamente à vítima na forma que dispuser o Conselho Nacional de Seguros Privados", afirmou.
Salomão reconhece que há muitas divergências sobre a situação jurídica do feto. Ele aponta três teorias principais: natalista, cuja personalidade jurídica só se inicia com o nascimento; concepcionista, segundo a qual a personalidade jurídica já começa com a concepção, muito embora alguns direitos só possam ser plenamente exercitáveis com o nascimento; e personalidade condicional, que prevê que personalidade jurídica começa com o nascimento, mas o feto titulariza direitos submetidos a condição suspensiva, ou direitos eventuais.
Para o relator, o ordenamento jurídico aponta sinais de que não há a vinculação entre o feto com vida e o conceito de pessoa, de personalidade jurídica e de titularização de direitos. “A principal conclusão é a de que, se a existência da pessoa natural tem início antes do nascimento, nascituro deve mesmo ser considerado pessoa, e, portanto, sujeito de direito, uma vez que, por força do artigo 1º [do Código Civil], toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil”.

Alinhamento

O ministro afirmou que, “ao que parece”, o ordenamento jurídico como um todo alinhou-se mais à teoria concepcionista para a construção da situação jurídica do nascituro. Em relação ao fato de nem todos os direitos poderem ser titularizados ou exercidos pelo feto, Salomão disse não ser relevante para a constatação de que ele pode ser considerado uma pessoa.

Isso porque nem todas as pessoas exercem de forma plena todos os direitos, como é o caso dos incapazes e presos. Dessa forma, ele votou para que a seguradora fosse condenada a pagar o seguro, reformando a decisão do TJ-SC, sendo acompanhado por unanimidade.
REsp 1.415.727-SC
Fonte: CONJUR.