"O que é que se encontra no início? O jardim ou o jardineiro? É o jardineiro. Havendo um jardineiro, mais cedo ou mais tarde um jardim aparecerá. Mas, havendo um jardim sem jardineiro, mais cedo ou mais tarde ele desaparecerá. O que é um jardineiro? Uma pessoa cujo pensamento está cheio de jardins. O que faz um jardim são os pensamentos do jardineiro. O que faz um povo são os pensamentos daqueles que o compõem." (Rubem Alves)

domingo, 2 de agosto de 2015

E A MULTA NÃO IRÁ PARA A CARROÇA E NEM PARA O BURRO (QUANTO AO INSENSATO...)

Quem despreza seu próximo demonstra falta de senso;
o homem sábio guarda silêncio. (Provérbios 11:12)
Em um país chamado Brasil, onde, em média, morre uma pessoa a cada 12 minutos por conta dos acidentes viários, seria razoável se imaginar a fiscalização de trânsito (cujo lastro é o poder de polícia administrativa), prestigiada, respeitada e incentivada, haja vista ser missão das mais relevantes dentre aquelas atribuídas ao poder público. Contudo, nesse mesmo país, onde raras são as políticas de prevenção levadas a efeito com seriedade, fica evidente que a cultura predominante é outra. No caso específico das políticas preventivas voltadas ao trânsito, caso o leitor que nos prestigia ainda tenha dúvidas, basta “mergulhar” nas estatísticas e analisar mais detidamente os índices de acidentes de trânsito, os astronômicos valores arrecadados com multas e o injustificável contingenciamento desses recursos, em um fundo gerido pelo governo federal.

A equação que tem por base a cultura do jeitinho excessivamente praticada, em contraponto à uma cultura de prevenção menosprezada, contribui para que os responsáveis pela fiscalização da normas de conduta obrigatória no contexto do trânsito, leia-se ‘os AGENTES DE TRÂNSITO’, sejam altamente incompreendidos no exercício regular de suas funções. Por aqui, até se defende uma fiscalização de trânsito severa. A mais rígida delas, se possível! Desde que esse rigor todo seja aplicável aos outros, óbvio. “Para mim e para os meus, a fiscalização leniente, camarada. Aos outros, os rigores da lei”.

É bem comum (o que jamais deve servir como justificativa!) o profissional agente de trânsito ser alvo de prejulgamentos, de desacatos e, até mesmo, de violência física. Não obstante, é exatamente esse afã de desprestigiar e de desrespeitar essa categoria profissional que muitas vezes induz o indivíduo à prática de um ato ilícito passível de responsabilização, seja na esfera cível, seja na esfera penal.

E foi o que recentemente ocorreu no Ceará, mais precisamente no município de Quixadá, quando alguém achou que pegaria bem para ele depreciar a atuação dos agentes de trânsito de serviço naquele município e, aproveitando-se de uma ocasião, fotografou os referidos profissionais em uma situação que, descontextualizada, induziu outras pessoas a escarnecerem dos evidenciados servidores públicos.

Em suas bem elaboradas petições iniciais, o Dr. Luiz Fernando Moreira de Lima, advogado constituído pelos ofendidos, narra que os promoventes (os quais, como já se esclareceu, são agentes de trânsito em Quixadá/Ce) tomaram conhecimento de que determinadas pessoas (tecnicamente falando, “os promovidos” na ação), utilizando-se da rede social ‘Facebook’, divulgaram a tal foto e fizeram comentários de que a imagem compartilhada mostraria os citados profissionais “multando um burro e uma carroça”, mencionando, ainda, que aquilo representaria “uma piada nacional”. Tratou o aludido advogado de demonstrar, desde esse primeiro momento, que a referida foto ganhou ampla divulgação nas redes sociais, disseminando-se rapidamente os comentários e as críticas negativas contra os agentes de trânsito, os quais viram-se, de uma hora para a outra, expostos ao ridículo por toda a cidade, tornando-se alvos de piadas e gozações, o que, por evidente, os deixou bastante constrangidos.

Apresentadas as necessárias fundamentações e demonstrado o dano, requereu-se a devida reparação, aduzindo-se que, “à luz do artigo 186 do Código Civil, aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”. Assim, no caso em destaque, “a única conclusão a que se pode chegar é a de que a reparabilidade do dano moral puro não mais se questiona no direito brasileiro, porquanto uma série de dispositivos, constitucionais e infraconstitucionais, garantem sua tutela legal”.

Após um certo tempo imprescindível à tramitação do processo, eis que a Justiça se pronuncia sentenciando dois dos envolvidos ao pagamento de indenizações que totalizam R$ 8.000,00 (oito mil reais). Não nos cabe aqui avaliar se esse valor é pouco ou se é muito (mas, apenas para não me esquivar à análise, eu, em particular, entendo que representa uma indenização justa). Importa-nos, muito mais, ponderar que essa decisão tem natureza pedagógica, no que se harmoniza com o desiderato da digna Juíza que prolatou a sentença nos seguintes termos:

In casu, é patente o transtorno sofrido pelos requerentes. Ademais, devem ser consideradas suas circunstâncias de caráter pessoal, bem como analisada a capacidade financeira da parte promovida. O quantum fixado a título de indenização há de observar os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade e o objetivo nuclear da reparação, que é conferir um lenitivo aos ofendidos de forma a assegurar-lhes um refrigério pelas ofensas que experimentaram, penalizando o agente pelo seu desprezo para com os direitos alheios ao proferir palavras ofensivas à honra dos agentes de trânsito, ora reclamantes, no perfil do sítio da rede social ‘Facebook’.

Não pode ser desprezado, também, o caráter pedagógico e profilático da indenização fixada, que tem como escopo admoestar os lesantes e levá-los a repensar sua forma de atuação e seus procedimentos administrativos objetivando coibir a reiteração de atos idênticos”. (Exma. Sra. Dra. Ana Célia Pinho Carneiro, Juíza de Direito em Quixadá/CE)

Em síntese, o cidadão pode e deve cobrar dos servidores públicos uma postura de probidade e de eficiência. Contudo, não lhe é permitido tratar esses mesmos servidores com desrespeito ou com deboche. Caso desconsidere esta regra, deverá ser responsabilizado, como ocorreu com as duas pessoas condenadas no caso aqui destacado.

No mais, considerando que é possível se aprender muito a partir dos erros alheios, que essa condenação sirva de ensinamento a muitos que costumam se empolgar no Facebook ou em qualquer outra rede social, até mesmo por acharem que rede social é terra de ninguém. Me parece está demonstrado que não é bem assim que a banda toca...

Referências: Processo nº 050.2013.924.674-3 e Processo nº 050.2013.906.106-8. Juizado Especial da Comarca de Quixadá-Ce.